Se existe algo chamado deus, certamente, ali ele não estava.
As paredes eram verdes, mas não via-se esperança nos olhos dos que lá estavam.
A primeira espera, pois eram muitas, torturava a todos. O tempo era contado pelo suspiro de dor e o correr das lágrimas dos que perdiam alguém. O máximo de sentimento demonstrado pelos trabalhadores dali era um "sinto muito" virando o olhar.
Para os que esperavam atendimento, o tempo passava lento. Tão lento quanto o caminhar da enfermeira que passava na sala de espera exibindo seu jaleco branco. Literalmente desfilando.
Iam infindáveis horas e lá permanecíamos. Ninguém era chamado, apesar de jurarem que toda a equipe estava a postos.
Enfim gritaram o nome dela. Nessa hora, acompanhante é ilustrativo. Acompanhante agora espera. Restava pedir clareza quanto aos sintomas e as possíveis causas antigas. Não era a primeira vez que sentia isso.
O lugar me parecia um mundo de infindável dor onde, sem identidade, todos vinham penar. Desclassificados, deslocados para os cantos, afundavam em miséria sem espectativas de um leito. Logo comprovaria meu “achismo”!
Na hora do medicamento o acompanhante volta a cena. Companhia também é coragem nessa hora. Coragem para percorrer os corredores abarrotados, achar um enfermeiro com uma agulha naquela grande babel.
Ultrapassamos a segunda porta para ver gente tipo bicho: amarrados, amontoados. Alguns no chão a gemer outros a suspirar pelas cadeiras que sentam há dias. Não se tem direito algum além do cobertor funesto, mal cheiroso que não pode contar-nos quantos já viu morrer. Ali via lugar de morte não de cura. O ar cheirava a umidade daqueles corpos suados de febre e a urina sondada. Muitas sondas a amostra. Estão todos despidos: pele, peitos, ossos, anus. Muitos tossem ao lado dos que comem a única refeição do dia, trazida de casa, na marmita fria. Alguns dormem nas macas hora baixas, hora altas, depende do estado do paciente e da sorte.
O soro que rebenta as veias é posto de pressa, feito em pé. Agora marcamos o tempo pelas gotas que pingam do frasco no cateter. Mãos inchadas, pés inchados, martírio. Um moço de face quebrada espera o raio X e ouve "as vezes demora dias! Semanas!".
Definitivamente, não são mais que animais, amontoados de carne jogados pelo chão, jogados a própria sorte. Infelizes que ainda sonham, mesmo que não transpareça nos olhos, sair dalí e ver o sol, ali só o frio permanece.
Maior parte destes sonhadores não concretizam nada. São meros marginais que adentram aqueles corredores com unha encravada e são bonificados com tuberculose, meningite e infecção. Não mais que objetos de trabalho como bisturi, seringa e copos. Sem nome.
A mão da velha esposa segura a do amado que não ama mais. Morte!
As paredes são verdes, mas tudo vai do marrom ao pardo, preto.
4 comentários:
É, a inspiração também tem uma face bem dolorosa. Isso fica bem claro nesse teu escrito. Fazer oque? Se o mundo também é feito de miséria, só nos resta escrever...
Te amo muito...
as infecções são tantas, em tantos lados, tão normalizadas, que quando uma sai da invisibilidade, como uma mancha vermelha no meio do mundo cinza, a gente se assusta. e precisamos todos desses sustos, sem dúvidas, mas não desses vermelhos.
Cara Cogumela: a vida é muito dura do outro lado da pista. A gente escreve e manifesta a nossa insatisfação. Outros vão sofrem sem nem saber pra quem reclamar. Segue esperta!!!
Nossa isso ficou muito bom! Muito bom mesmo. Parabéns. Adorei.
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